segunda-feira, 20 de abril de 2009

O som da luz

Certa feita, perguntaram a um cidadão: Quais são os seus sonhos? E sem pensar muito, principiou a enumerá-los: Desejo paz na minha cidade, no meu estado, no meu país, no mundo. Apeteço que a fome seja lembrada na história apenas como uma nódoa da humanidade. Quero o fim da intolerância entre povos, religiões e as demais circunstâncias, pois a ausência de tolerância é o maior defeito, e o início das tragédias, das relações humanas. Torço para que nós possamos viver fraternalmente, sobretudo recuperando a essência da vida em detrimento as aparências. Para mim, a fim de que não diga que há uma abnegação pessoal total e demagogia de minha parte, sonho com uma família e ser feliz ao lado de esposa e filhos, se assim não for, serei feliz de outro jeito também, porque não existe apenas uma fórmula para felicidade.

Nesse instante, segurando o riso e a zombaria, o arguente com o rosto a contorcer em virtude do cárcere daquele sorriso quase frouxo, afirma: Nunca vi um sonhador tal qual o senhor. E sem perder a calma e a serenidade, do mesmo modo que guarda seus anseios, retorquiu o cidadão. Por conseguinte, invertendo os papéis, perguntou para aquele se ele era feliz, a esta pergunta obteve resposta assertiva, ao ar da arrogância. Então, o cidadão colocou-se a ponderar: És feliz em um país no qual a corrupção é gritante; os mensalões saem pelos, literalmente, ladrões; onde a contravenção é latente e bem sucedida; os cartões corporativos e verbas indenizatórias afagam os políticos e governantes – sejam eles dos partidos que forem, fazem parte do mesmo conluio, não oficialmente declarado – em detrimento a pungência dos desabrigados e famintos, aos quais sem nada, todavia com a chegada da chuva, perdem tudo, ou seja, as vidas ou parentes, ou melhor seria dizer nada mesmo; a bola vale mais que a escola; as pessoas morrem em filas de hospitais; em qualquer esquina sua vida pode ser abreviada; onde a imprensa produz notícias consoante seus interesses e perpetuam-se a lograr o povo. Sente-se feliz por não questionar, contudo prefiro os eflúvios dos meus delírios, os mais devaneados possíveis, perante viver na escuridão e, pior, sob a luz de um som bem ecoado em cada canto deste país, o vulgo plim – plim.

A conversação foi interrompida em virtude de barulhos estridentes e intermitentes, aos quais fizeram todos correrem, sejam aqueles que andavam na rua ou estavam parados a papear, sem contar a agitação nos prédios, onde os moradores fechavam inutilmente as janelas, para tentar se proteger, como elas fossem blindadas. E assim se encerrou o assunto, mas de um fato nós temos certeza, aquele arguente zombador e trocista refletirá com esmero sobre a vida.

Em respeito a este diálogo convém pôr um apêndice acerca da sonoridade emitida, venho relatar que, é uma onomatopéia usada para definir em linguagem literária, o som da luz, a qual poderia ser utilizada qualquer outra. Portanto torna-se patente nenhuma alusão feita por mim, e que as inferências trazidas pelos leitores são única e exclusivamente, somente – apenas para com mais força demarcar – de suas responsabilidades.

Nenhum comentário:

Postar um comentário